segunda-feira, 4 de julho de 2011

O Seminário sobre o Porto Maravilha no IHGB - maio 2011

Foto: Priscilla Xavier

(a partir de texto inicial de Silvia Knoller)

Nos dias 16 e 17 de maio, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro -IHGB, foi realizado o Seminário “Porto Maravilha – Desafios e Problemas”. Organizado por Roberto Anderson Magalhães, Nina Rabha, Rachel Coutinho, Cecíia Herzog e Luiz Fernando Janot, com a chancela do IHGB e do Prourb-UFRJ, o Seminário foi pensado como um espaço de discussão do projeto de revitalização da Zona Portuária, já que o mesmo não vem sendo suficientemente debatido, apesar de envolver vultosos recursos e reunir os governos Federal, Estadual e Municipal.

Na abertura do evento, o presidente do IHGB Arno Wehling destacou a realização do Seminário do Porto Maravilha como prosseguimento da intenção da instituição de aprofundar temas de relevância para a sociedade. Na parte da manhã, o economista Carlos Lessa destacou a questão da mobilidade. Segundo ele, reocupar a Área Central como lugar de trabalho e moradia reduziria o problema da mobilidade na cidade.

À tarde, sob a moderação de Marcus Monteiro, pesquisador, membro do IHGB e ex-Diretor Geral do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC), sentaram-se à mesa o Vice-Prefeito Carlos Alberto Muniz, Marcos Poggi, especialista em Economia Rodoviária, José Conde Caldas, arquiteto e presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário – ADEMI e Luiz Fernando Janot, arquiteto, urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do RIO de Janeiro (FAU-UFRJ).

José Conde Caldas destacou o fato de o Prefeito ter adotado um projeto desenvolvido por um grupo de empresários e fez breve relato sobre a expectativa positiva do mercado imobiliário com o projeto, que oferece uma expectativa de 4 milhões de metros quadrados de construção.

Em seguida, Marcos Poggi desaprovou o caráter “rodoviarista” do projeto, em detrimento do transporte coletivo, o que poderia ser resolvido se o VLT (veículo leve sobre trilhos) não tivesse trajeto tão modesto, pois circularia somente na parte interna da região. Centrou, entretanto, suas críticas à demolição da Perimetral. Com a demolição da Perimetral o trânsito seria transferido para um “mergulhão”, um caminho subterrâneo, e a Avenida Rodrigues Alves se tornaria uma via expressa. Poggi fez questão de lembrar que o Porto ainda é operacional, necessitando de local de desembarque de mercadorias, principalmente da indústria automobilística, com suas enormes carretas. Segundo ele, ao tornar a Rodrigues Alves uma via expressa, o desembarque seria transferido para o Caju, ocasionando problemas nessa operação.

Luiz Fernando Janot chamou a atenção para a enorme dimensão da área de intervenção, superior ao dobro da atual área financeira do Centro do Rio. Considerou que o processo de ocupação deveria ser mais gradual. Ele criticou a falta de um conceito que estruturasse o programa e a inexistência de projeto com estudos detalhados: “O Porto Maravilha nada mais do que um folder, não tem projeto”. Segundo o arquiteto, o projeto é uma “caixa preta” já que as informações realmente relevantes não estão disponíveis ao público. Janot criticou, ainda, a derrubada do elevado da Perimetral e sua substituição por um túnel sujeito à poluição.

O Vice-Prefeito falou sobre a captação antecipada de recursos através de emissão de Certificados de Potencial Adicional de Construção, os CEPACs, para financiar as obras de revitalização urbana do Porto Maravilha. Explicou que os CEPACs são regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e seriam colocados no mercado para serem leiloados aos interessados no potencial construtivo da região. Os CEPACs seriam vendidos em lote único e indivisível. Falou, ainda, da participação da Caixa Econômica, através do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, como investidora no Projeto.

Questionado por um grupo de moradores da região sobre as ameaças de remoções, o Vice-Prefeito se colocou à disposição para recebê-los, caso fosse procurado.
O segundo dia do Seminário foi dividido em duas partes. Na parte da manhã, para expor temas ligados às expectativas suscitadas pelo projeto, a organização convidou o Secretário de Habitação Jorge Bittar, Maurício Hora, fotógrafo com atuação comunitária no Morro da Providência, Carlos Machado, líder comunitário e presidente do Bloco Filhos de Gandhi, e a Vereadora Sonia Rabello. O moderador da mesa foi Roberto Anderson Magalhães.

Maurício Hora afirmou que “Na visão dos moradores do Morro da Providência o projeto é uma incógnita. Marcaram as casas, mas ninguém sabe o que irá acontecer.” Maurício lembrou que o Morro da Providência foi a primeira favela do Rio de Janeiro, formada há 114 anos por ex-soldados, remanescentes da Guerra dos Canudos. E agora, revelou ele, “paira uma tensão da remoção”.
Antonio Carlos Machado frisou que a especulação imobiliária já está assolando a área e abordou a falta de transparência na condução das questões relativas aos moradores, muitos remanescentes do trabalho portuário:

“Mais de 1.700 famílias estão ameaçadas de serem postas para fora de suas residências. Na Pedra Lisa, seriam 600 moradores de 200 ou 300 imóveis a serem removidos, por conta da retenção de encostas. Muitos irão para Senador Camará e eles não querem. Queremos o Porto Maravilha, sim, queremos sua revitalização, queremos turismo na área. Mas o queremos maravilhoso para os que lá hoje moram.”

Para a vereadora Sonia Rabello “o Porto Maravilha não é um projeto urbanístico, mas sim um projeto econômico e financeiro”, pautado na venda de Potencial Construtivo. A Lei Complementar nº 101 de 2009 aumentou o gabarito da área, permitindo prédios de até 50 andares. Isto, segundo ela, “é um risco absoluto e potencial para a cidade”, com ocupação em área histórica, arqueológica e simbólica do Rio de Janeiro. A Vereadora alertou, ainda, que estaria havendo uma mistura indevida de preceitos legais da Operação Consorciada, relativa a uma área urbana determinada, com os da Outorga Onerosa, relacionada a lotes.

Outro grave problema apontado pela vereadora está nos chamados CEPACs. Com valor inicial de 3 bilhões de reais, eles serão vendidos em lote único e indivisível. Com um único comprador, alerta ela, haverá um monopólio da posse e comercialização desses certificados. Sonia mostrou-se, ainda, preocupada com ameaças de remoções de moradores da área que ocupam terrenos privados na área, e que têm recebido a visita de pessoas se dizendo funcionários da Prefeitura.

O Secretário Municipal de Habitação, Jorge Bittar, afirmou que “o projeto Porto Maravilha acontece em um ambiente político agregador das três esferas, após décadas de decadência econômico-social do nosso Estado por vários motivos”. O Secretário garantiu que não há nenhum processo de gentrificação e que a população mais pobre da Área Portuária conviveria no futuro com os novos habitantes dos espaços que serão revitalizados. “Ninguém será removido compulsoriamente. É a garantia que eu dou.”

Rebateu ainda as acusações de que o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV estaria sendo usado indevidamente, já que, para ele, não haveria a exigência de regulamentação pela Câmara, pois ele seria autoaplicável, como também, atenderia ao previsto no Estatuto da Cidade.

Na parte da tarde, foram duas mesas. A primeira tratou dos “Modelos e Ideais do Projeto Porto Maravilha”, tendo como moderadora a arquiteta, urbanista e coordenadora do PROURB-UFRJ, Rachel Coutinho, com exposição de Jorge Arraes, Presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), Sérgio Magalhães, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, seção Rio de Janeiro e de Nina Rahba, arquiteta e ex-administradora regional da Área Portuária.

Para Rachel Coutinho o programa urbano para o Porto ainda não chegou ao fim, precisando de mais esclarecimentos. Ela lembrou o retumbante fracasso comercial e urbano da revitalização do Porto de Londres (London Docklands), risco que correria o projeto do Rio, sem o correto planejamento.

Sérgio Magalhães fez uma análise do processo de enfraquecimento do Centro da Cidade do Rio de Janeiro, “o lugar mais representativo dos vários setores que constituem a vida social, de maior acessibilidade e de infraestrutura. Mostrou como ao longo de várias décadas o Rio foi sendo desconstruído: primeiro, com a transferência da capital do país para Brasília, depois perdendo a centralidade das indústrias e depois do setor financeiro. O golpe mortal no enfraquecimento do Centro da cidade, aí incluindo a Região Portuária, foi quando Lúcio Costa transferiu a centralidade para a Barra da Tijuca. “Saúdo o Projeto Porto Maravilha como instrumento de reversão do quadro de decadência. Do ponto de vista estratégico é essencial para nosso futuro”.

Jorge Arraes enfatizou o ineditismo do projeto que abrange, segundo ele, infraestrutura, cultura e entretenimento, comércio e serviços, e habitação. Com referência à parte viária, falou sobre a construção de 4km de túneis, cujas obras terminarão em 2015, sendo que de 2012 a 2015 está prevista a demolição da Perimetral.

Ele garantiu que 3% da venda de CEPACs serão revertidos para o patrimônio histórico-cultural, ou seja, 100 milhões de reais. O primeiro leilão dos CEPACs está previsto para o início de junho. Após este, haveria outros leilões. Jorge Arraes informou que o Estatuto das Cidades e as instruções 400 e 401 da CVM autorizam a negociação das CEPACs por meio de leilão público ou por pagamento de obras públicas e que, no caso do Rio, a opção de venda foi por lote único. Informou ainda que o FGTS, provável comprador, estudou a operação e os riscos e a aprovou.

Nina Rahba, que participou dos primeiros estudos que levaram ao Projeto Porto Maravilha, falou sobre a necessidade de se considerar a questão da escala do projeto. Atualmente, este tem sido pensado apenas em grande escala, o que desconsidera as características locais. Segundo a arquiteta é necessário valorizar a pequena escala como forma de se evitar grandes equívocos.

Na quarta e última mesa, sobre “Os impactos e as conseqüências”, com moderação de Cecília Herzog, paisagista urbana e presidente da ONG Inverde, falaram Paulo Vidal Leite Ribeiro, Coordenador de Conservação e Projetos Especiais da Subsecretaria do Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design, Cristóvão Duarte, arquiteto, urbanista e professor do PROURB/UFRJ e Rachel Coutinho.

Paulo Vidal afirmou que pretende discutir com a sociedade a preservação do Patrimônio, logo após a venda dos CEPACs. E disse que “desde que existam projetos”, galpões da Gamboa poderão ser aproveitados. Falou, ainda, sobre o Projeto SAGAS, criado em 1988 e da APAC (Área de Proteção do Ambiente Cultural), da Gamboa, Saúde e Santo Cristo, de 1992. Segundo o arquiteto, a Prefeitura tem um levantamento de bens de interesse para preservação, ou seja, que ainda não foram preservados, mas que poderiam ser. Segundo o mesmo, sem a efetivação desta preservação, por parte da Prefeitura, somente o interesse das empresas em preservá-los garantiria sua integridade.

Rachel Coutinho, que falou no lugar da arquiteta e professora da PUC Maria Fernanda Lemos, que não pôde comparecer, destacou a questão da resiliência urbana, que é a capacidade de uma área sofrer impactos e voltar a seu estado inicial, recuperando-se. A arquiteta salientou que a perspectiva de mudanças climáticas exigiria que projetos como esse fossem adaptados a tal questão, ainda mais por se tratar de zona costeira e, portanto, em área vulnerável à elevação das águas do mar. Sua exposição se deu, ainda, em torno do transporte sob rodas, individual, já que o projeto dá pouca ênfase ao transporte coletivo. “É necessário – diz ela – diminuir o uso do automóvel.

Cristóvão Duarte criticou a projetada demolição do elevado da Perimetral, que poderia vir a ter outro uso como, por exemplo, transformar-se em leito para um veículo sobre trilhos, projeto sugerido por alunos da UFRJ. Cristóvão criticou, também, o fato de que empresários sejam responsáveis pelo planejamento da cidade, como no caso do projeto para o Porto. Ele afirmou ser necessário defender os interesses coletivos em detrimento dos interesses individuais. Analisando o vídeo de divulgação do projeto, o arquiteto chamou a atenção para os excessivos recursos de marketing e para a ausência de informações verdadeiramente técnicas e de acordo com o interesse dos habitantes da cidade.

No encerramento os participantes demonstraram a importância do Seminário e o interesse em dar prosseguimento ao debate.

Nenhum comentário:

Postar um comentário